O que é esperado na fala do bebê
- Giovana Astolfi
- 4 de dez. de 2024
- 6 min de leitura
O foco desse blog, dos meus estudos e da minha atuação profissional tem se voltado cada vez mais para questões de amamentação. Porém, tendo formação em Fonoaudiologia e tido experiência clínica com bebês e crianças com atraso de fala e linguagem, não posso ignorar a quantidade de mães angustiadas com o atraso de fala de seus filhos que tenho visto ultimamente.
Por isso, abro uma exceção por aqui para tratarmos sobre atraso de fala.

O que é esperado?
Para falarmos sobre atraso, primeiro precisamos saber o que é esperado no desenvolvimento de fala.
Os bebês já começam muito cedo a se comunicar verbalmente. O choro já é uma forma de comunicação. Por volta dos 4 a 6 meses, eles já começam a balbuciar e pronunciar sons e vogais, e esse balbucio é um precursor da fala e é muito importante para o desenvolvimento cognitivo e social do bebê. Nessa fase, o bebê percebe que quando emite sons, a mãe - ou outro cuidador - corresponde, e isso o incentiva a continuar emitindo sons e aprimorando essa comunicação.
Esse balbucio vai ficando cada vez mais complexo à medida em que o bebê cresce e recebe o incentivo ideal para continuar produzindo esses sons, até que o bebê começa a falar suas primeiras palavrinhas, entre os 10 e 12 meses. Pode acontecer do bebê aprender a falar mamã ou papa antes desse tempo, mas via de regra, as primeiras palavras aparecem com 1 ano.
A partir de 1 ano, a criança passa por uma explosão de desenvolvimento global: ela aprende a andar, empilhar objetos, manusear objetos pequenos, aprende a pedir as coisas, a expressar vontades e começa a aprender palavras novas. Dentro de um desenvolvimento típico, um bebê de até 1 ano e meio deve estar falando de 6 a 20 palavras simples. Quanto mais funcionais essas palavras forem, melhor será a comunicação. As "palavras funcionais" são aquelas que proporcionam uma boa interação: quer, dá, pega, vai, bom, água, xixi, cocô, não, mais, etc...
A partir de 1 ano e meio, a criança já é capaz de formar frases simples e deve juntar pelo menos duas palavrinhas para se comunicar: "quer água", "dá bola", "mamãe pega", "fez xixi", etc... Nessa idade, ocorre um boom de palavras. A criança aprende muitas palavras por dia e melhora cada vez mais sua comunicação. A qualidade da pronúncia ainda não importa tanto nessa fase, mas é importante sempre dar o modelo correto para que a criança aprenda a pronunciar corretamente quando estiver apta a isso.
Aos 2 anos, a criança já em um vocabulário de aproximadamente 200 palavras e forma frases um pouco mais complexas, com 2 ou 3 palavrinhas.
Dos 2 e meio aos 6 anos existem outros marcos do desenvolvimento da fala, como formar frases mais completas, melhorar fluência e pronúncia, capacidade de contar fatos, porém não entrarei em mais detalhes sobre essa fase agora.
Para além da fala
A fala é apenas a cereja do bolo de um todo que se chama linguagem. Para que a criança fale, é necessário que ela tenha muitos outros pré-requisitos que ela terá adquirido bem antes de começar a falar: contato visual, prestar atenção no cuidador que se comunica com ela, intenção e interesse em se comunicar, imitação corporal (danças, gestos), apontar, compreender comandos simples.
Se a criança está com dificuldade em algum desses degraus que antecedem a fala, significa que ela já está com atraso do desenvolvimento da linguagem.
Como contribuir para o desenvolvimento da fala do bebê
Desde o nascimento, converse com seu bebê. A voz dos cuidadores principais acalma o bebê e desde então ele já começa a aprender.
Converse diariamente, explique o que está fazendo, fale sobre as coisas ao redor, mostre livrinhos e nomeie os objetos, animais, paisagens, ações, mesmo que você sinta que o bebê não consegue compreender.
Durante o banho, nomeie as partes do corpo. Cante músicas fáceis e simples e combine com coreografias. Durante os passeios, nomeie tudo ao redor dentro de um contexto, conte uma história, relate os fatos que o bebê está vendo ("olha filho, o auau está dormindo!", "olha o avião voando no céu").
Tenha momentos de brincadeira em que você dá atenção total ao seu bebê, sem distrações, sem celular ou TV, sem estar fazendo outra atividade paralela. Nessa brincadeira, invente histórias, nomeie as cores, as ações, seja divertido(a) e animado(a)! A comunicação deve ser empolgante e fazer com que a criança queira se comunicar cada vez mais.
Use palavras mais fáceis, frases mais curtas e articule bem as palavras. Fale mais devagar, olhando nos olhos e de preferência na altura dos olhos da criança, para que ela possa ver bem o movimento da sua boca.
Repetição é a palavra-chave. Repita diariamente as palavras mais básicas e funcionais e sempre dentro de um contexto, para que a criança entenda o que aquilo significa. Por exemplo, na hora de beber água você pode usar a palavra "água" várias vezes dentro do contexto, como: "Quer água? Vou pegar água pra você! Aqui está a água; que água boa! Mamãe também quer água". Dentro desse contexto do exemplo, a palavra "água" foi repetida várias vezes, e assim a criança vai internalizando o significado até que ela consiga reproduzir.
O que NÃO fazer:
Pedir a todo momento pra criança repetir uma palavra. "Fala água! Água! Repete! Á-GUA". Isso só inibe mais a criança.
Não entregar o que a criança quer até que ela fale o nome do objeto. "Não vou te dar se você não falar o que é!". Ao invés disso, nomeie o objeto e repita sempre a palavra, como foi explicado anteriormente. "Ahh você quer pegar a bola? Pega a bola! Eba, vamos jogar bola!"
Falar palavras aleatoriamente e fora de contexto. "Vamos brincar? Essa é a boneca, bo-ne-ca, esse é o gato, esse é a-ma-re-lo". A comunicação é mais interessante dentro de um contexto: "Vamos brincar? Vou pegar a boneca. Que linda a boneca! Ela vai passear com o gato! A boneca e o gato são muito amigos! Agora a boneca vai dar um banho no gato, será que ele vai deixar?"
Usar sempre palavras muito complexas e/ou no diminutivo. "Cachorrinho" é bem mais difícil de falar do que "auau" e "machucado" é mais difícil do que "dodói". Tudo bem a criança usar "auau", "dodói", "tetê" (inclusive devem ser usadas para facilitar o aprendizado das primeiras palavras), quando ela crescer mais ela aprenderá as palavras mais corretas para cada termo.
"O que fazer se meu filho não atingiu algum desses marcos?"
Caso os pais ou familiares notem que seu filho "já passou dos marcos" e ainda não fala ou fala poucas palavras para o que é esperado, é muito importante procurar ajuda profissional de um fonoaudiólogo o mais cedo possível.
Infelizmente existem pediatras que ainda decidem esperar pelos 2 anos para encaminhar, ou então que dizem que "cada criança tem seu tempo" e não acredita que não falar com 2 anos é um problema. Porém, os estudos mais atualizados e especializados no assunto sugerem que as crianças sejam avaliadas o quanto antes para que a intervenção tenha um resultado melhor e não prejudique outras fases do desenvolvimento.
Qual é a causa do atraso de fala?
Existem inúmeras causas para o atraso, e isso deve ser avaliado com o fonoaudiólogo. Pode ser apenas um fator do ambiente em que a criança está inserida (falta de estímulos), pode ter a ver com excesso de telas, pode ser indicativo de deficiência auditiva, como também pode estar relacionado com TEA, atraso motor da fala, apraxia de fala na infância ou deficiências cognitivas, entre outras possibilidades.
Somente dentro de um processo de avaliação será possível identificar qual é a causa e qual é o planejamento terapêutico mais adequado.
Considerações finais
Dito isso, a procura por ajuda deve acontecer assim que os pais ou o pediatra suspeitarem ou notarem algum atraso nesses marcos do desenvolvimento. Sei que muitos pais, mães e familiares normalizam o atraso (aquele papo da avó que conta que o fulano só falou com 3 anos e ficou tudo bem), ou então quando são encaminhados para uma fonoaudióloga duvidam ou decidem esperar um pouco mais. O desenvolvimento infantil não espera, ele necessita de condições propícias para que a criança atinja e aprimore todas as suas capacidades.
Afinal, se uma criança de 2 anos ainda não tivesse aprendido a andar, todos ficariam preocupados e procurariam tratar rapidamente, por que então uma criança que está com dificuldades em se comunicar deve esperar mais? Pense nisso!
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